
Meu caminho de quase dois quilômetros até o Centro Cultural Banco do Brasil é um bom tour pelo centro de São Paulo. Começa na Rua Frei Caneca, entra na Rua Augusta já na esquina do novo Parque Augusta, passa pela Praça Roosevelt em direção ao Térreo Virginia, admira o edifício Viadutos e a Biblioteca Mário de Andrade na esquina da Consolação, segue em frente até dar de cara com o Teatro Municipal, ao lado do Shopping Light, cruza o Viaduto do Chá em frente a prefeitura, entra na Rua Álvares Penteado e pronto, chegamos no CCBB.
Por mais convidativo que pareça, não é aconselhável a marinheiros de primeira viagem fazer esse trajeto. No dia anterior o Fantástico mostrou que a pior coisa a se fazer na capital paulista é andar com o celular na mão, e a região central é onde se concentram a maioria dos casos de furto.
O motivo para encarar a missão era uma sessão de cinema. Sério, e para ver um filme de 2012 ainda por cima. Para piorar, a sessão estava marcada para às 17:30, fato que significava que a volta para casa seria à noite. Ou seja, fazer o caminho perigoso no nível hard. Onde estava a parte boa nisso? Estava na certeza de entretenimento assim que o filme começasse, afinal de contas a direção era de Steven Spielberg.
A loja Spielberg e os tecidos de Chagall
Inaugurado em 2001, o Centro Cultural, com seus 4.183 metros quadrados, oferece espaços para exposições, teatro, cinema, música, auditório para palestras, debates e oficinas educativas. Ele fica próximo a estação São Bento, linha azul do metrô, e está aberto todos os dias, exceto terça-feira, das 9h às 20h. Ano passado recebeu uma das exposições mais concorridas de São Paulo, A Tensão do argentino Leandro Erlich. Atualmente, está em cartaz a exposição Sonho de Amor, do pintor, ceramista, ilustrador e gravurista russo Marc Chagall.
As coisas começaram a melhorar para o meu lado quando descobri que O CCBB oferece um transfer gratuito que faz o seguinte trajeto: na ida, sai do estacionamento da Rua da Consolação, nº288 e deixa na porta Centro Cultural; na volta, a van faz o mesmo trajeto, com uma parada na Praça da República bem em frente da estação de metrô.

Confesso que não fui ver a exposição, todas as vezes que estive no local nas últimas semanas sempre cheguei ou em cima da hora ou com fome, ou os dois casos. E em todas essas vezes o propósito era prestigiar outro artista que, por coincidência, da nome a uma loja de roupas bem em frente a entrada e cujo símbolo é um dinossauro meio T-rex.
Steven Spileberg é um dos cineastas mais populares e influentes da história, e o único diretor com cinco filmes na lista dos 100 Melhores Filmes Americanos de Todos os Tempos, feita pelo American Film Institute. Ao longo do mês de março ocupou a sala de cinema do CCBB com uma mostra que exibiu 31 filmes dele, do dia 1º até o dia 27 , e no meio dessa agenda, ainda rolou um curso gratuito sobre o cara.
Cineasta do espetáculo
Steven Spielberg é um diretor de cinema norte-americano, nascido em 18 de dezembro de 1946, em Cincinnati, Ohio. Fez parte do movimento chamado de Nova Hollywood, que aconteceu nos Estados Unidos entre 1967-1979, com Martin Scorsese, Brian de Palma, George Lucas e Francis Ford Coppola, e que tinha a ideia de fazer cinema de uma forma mais ágil, barata e criativa que o padrão dos grandes estúdios. Do quinteto, Spielberg, é o nerd.
Desde o primeiro filme que dirigiu, Encurralado, produzido para a TV em 1971, o diretor leva a cabo o cinema como monumentalidade. Ele diz que essa tradição de fazer filmes homéricos veio quando ainda adolescente assitiu por diversas vezes o filme Lawrence da Arabia. Ao mesmo tempo, um tema recorrente na filmografia do diretor, e que o acompanha desde que seus pais se divorciaram, é o trauma familiar, sendo o mais recente Fabelmans praticamente um filme autobiográfico.
A maestria de Spielberg está em conduzir o olhar do espectador utilizando a soma: história, atuação e trilha sonora. Sim, muita trilha sonora. Para ele “não há um casamento melhor do que música e cinema”. E neste matrimonio seu cônjuge há mais de 40 anos é John Williams, compositor de temas como Tubarão, E.T e Indiana Jones. Como resultado lógico desse método, temos sempre um espetáculo com inicio, meio e fim bem delineado. Uma história bem contada, sem entrar no mérito se é boa ou não.
O ato de ir ao cinema na cabeça de Spielberg talvez tenha a ver com assistir uma ópera, acompanhado de uma filarmônica, com atuações teatrais Shakespearianas. O simples nome do diretor é um incentivo a ir a uma sessão, mesmo que você já tenha visto o filme. A prova é que ao abrir o catalogo da mostra do CCBB, percebi que no mínimo uns 10 eu toparia rever em uma sala de cinema, ainda mais por cinco reais. Assim pensei, quando naquele último dia lá estava para ver Lincoln.
Lincoln aborda os últimos quatro meses de vida do 16º presidente dos Estados Unidos que, em meio a Guerra Civil norte-americana, luta no congresso para aprovar a emenda que iria abolir formalmente a escravidão no país. Daniel Day Lewis dá literalmente vida a Abraham Lincoln, John Williams cuida da trilha e o resultado foram 12 indicações ao Oscar de 2013, incluindo melhor diretor, ator e trilha sonora.
Há quem acuse injustamente Spielberg de ter aberto a caixa de pandora para os blockbusters que vemos por aí nos dias de hoje. Mas não há como negar que de maneira geral, ao menos no nível narrativo, ele quase sempre consegue entregar um bom trabalho – aquele feijão com arroz bem feito. E é isso o que o diferencia do resto, e talvez por isso ele tenha conseguido fazer tantos projetos diferentes ao longo da carreira.
Spielberg nos conduz apontando para onde olhar e o que devemos ouvir quando vemos determinadas imagens. Tudo feito de forma meticulosa e detalhada, para que no final o espectador fique com tudo aquilo guardado na mente.
Quando Lincoln fez seu último discurso no filme, o CCBB estava fechando as portas, e para não ter que encarar a missão nível hard, peguei o transfer até a Consolação. No caminho, pensei sobre a Guerra Civil Americana e o que um líder deve ou não fazer em uma situação de crise. Enquanto pensava, vi o ET cruzar o Vale do Anhangabaú de bicicleta.