
“Valeu por você existir, amigo“, cantavam algumas pessoas em um samba quando eu passei pela Rua Venâncio Aires com a Caraíbas. Na mesma esquina eram vendidas algumas camisetas de Paul McCartney, que naquela noite, a duas quadras dali, faria o segundo dos três shows da turnê Got Back, no Allianz Parque em São Paulo.
Ver McCartney se apresentar é uma celebração, como aquela roda de samba. Tudo é sobre amor, e ele consegue reunir pessoas de diferentes idades e gerações que lá estão para cantar a plenos pulmões músicas que guardam na memória. Para completar, o ex beatle é um show a parte, incansável sob os holofotes, e que aos 81 anos e seis décadas de carreira não aparenta pensar em aposentadoria.
A turnê Got Back e a passagem pelo Brasil
A primeira vez que Paul McCartney tocou no Brasil foi no Maracanã em 1990. Desde então ele se tornou figura carimbada em solo brasileiro com mais 34 apresentações em estádios brasileiros – 31 delas de 2010 para frente, e com destinos fora do eixo Rio-São Paulo, como Fortaleza, Goiânia e Vitória. A mais recente turnê, Got Back, começou em abril de 2022, nos Estados Unidos, e por aqui foram oito apresentações, em cinco cidades, e uma aparição surpresa no Clube do Choro em Brasília.
Poucas foram as diferenças no setlist das apresentações em terras brasileiras. O show sempre começava com Cant Buy me Love ou A Hard Days Night, ambas dos Beatles. Depois vinham duas músicas da fase do Wings, Juniors Farm e Leting Go. E até o fim, o setlist intercalava sucessos como Blackbird, Something e Maybe I’m Amazed, totalizando 37 músicas em duas horas e meia de espetáculo.
Claro que a voz de Paul já não é a mesma, seria injusto esperar que um senhor de mais de oitenta anos mantivesse o primor de tempos passados. Ainda mais alguém que faz pocket shows no mesmo dia para quem compra o VIP soundcheck. São quase duas apresentações por dia, algo que lembra o inicio da carreira de McCartney, quando junto com os Beatles tocava gratuitamente por horas em Hamburgo. Hoje, as pessoas pagam até mesmo para ver ele afinar os instrumentos.
Os garotos de Liverpool
Nascido em Liverpool em 1942, James Paul McCartney perdeu a mãe quando tinha 14 anos. Em 1957 conheceu John Lennon, dois anos mais velho, e que tocava com a banda Quarrymen na St Peters Church. Paul entrou para a banda que mudou o nome para The Beatles e tocou por três anos em boates de Liverpool e Hamburgo, na Alemanha, até laçarem Love Me Do, em 1962, quando a beatlemania explodiu.
Logo, os dois garotos do norte da Inglaterra, mais George Harrison e Ringo Star, se tornariam o quarteto mais conhecido do mundo. Mas no final dos anos 1960 cada um dos integrantes queria dar um rumo diferente na carreira, e em1970 ele chocaram os fãs com o anúncio do fim da banda.
O documentário Get Back mostra os momentos derradeiros e a última apresentação dos Beatles. McCartney chegou a dizer em entrevistas que pensou em abandonar a carreira depois que o grupo se separou. Stella, filha de Paul e estilista famosa, disse em entrevista a revista The New Yorker, que passou boa parte da infância vendo o pai se recuperar dessa separação.
Após o fim, ele voltou para estaca zero e formou os Wings, grupo que lançou o primeiro disco, Wild Life, em 1971. Aquela seria a nova fase de McCartney, a qual lhe traria até mesmo um Oscar por Live and Let Die, trilha do filme 007 Viva e Deixe Morrer.
Em 2023, os órfãos dos Beatles tiveram um remember com o lançamento de Now and Then, musica que contou com a ajuda de inteligência artificial para fazer os vocais de John Lennon. O título seria em referência ao último dialogo entre Paul e John no edifício Dakota, onde Lennon morava e seria assassinado em 1980.
Valeu por você existir amigo
Em uma entrevista à BBC, McCartney disse que considera aposentadoria “um preludio para a extinção”. No ano que completou 80 anos, ele se apresentou no festival Glastonbury pela segunda vez na carreira, e aos 81 embarcou em mais uma turnê bem sucedida pelo mundo. Além da música, ele lançou em 2023 o livro Eyes of The Storm, que reúne 275 fotografias tiradas por Paul em meio a beatlemania nos anos 1960.
A fotografia faz parte da família. Linda McCartney, ex esposa que faleceu em 1998, e a filha Mary, seguiram o caminho profissional. Paul e Linda também foram pioneiros na causa do vegetarianismo, e na entrada dos shows em São Paulo eram entregues panfletos que convidavam os fãs a experimentarem uma segunda-feira sem carne.
Entretanto, o que Paul gosta mesmo é fazer música, seja tocando como em 2013 com os ex integrantes do Nirvana ou só assobiando, dessa vez com Rihanna e Kanye West. O método de composição foi compartilhado no livro The Lyrics: 1956 to present, lançado em 2021, e também na série McCartney 3,2,1, a qual ele se junta ao lendário produtor, Rick Rubin, para falar sobre o próprio trabalho em dez episódios.
Ao total, são 150 canções compostas por Paul McCartney que chegaram as paradas da Bilboard, sendo 32 delas no número um. Ao contrário do que se especulou no último show da turnê no Maracanã, ele não anunciou a aposentadoria, e provavelmente deve voltar ao Brasil, nem que seja para se despedir. Afinal ele ama o que faz e a maneira como vê o mundo está no final de uma de suas canções, intitulada The End: “e no final o amor, que você recebe é igual o amor que você dá“.