
O grafiteiro Banksy pode até tentar se considerar um tipo de vândalo transgressor, mas a notoriedade de seus grafites e o lucro que eles geram o transformaram em uma atração turística. Famoso, porém desconhecido, ele trilhou um caminho inverso ao dos precursores da arte de rua, Jean Michel Basquiat e Keith Haring, os quais nos anos 1970 e 1980 saltaram dos metrôs de Nova York para as galerias do mundo.
Hoje, a arte de rua já não é exclusiva da rua, ela compete com museus e todos os tipos de colecionadores, que buscam expandir o acervo, e muitos culpam Banksy por essa elitização, já que até as paredes pintadas por ele são removidas e leiloadas por milhares, às vezes milhões de dólares. A arte que ele produz estampa camisetas, calendários e é tema inclusive dessas exposições imersivas, cujo ingresso é caro e fica no estacionamento de um shopping center badalado.
Arte de rua, agora em um shopping perto de você

The Art of Banksy, Without Limits é uma exposição não autorizada, que reúne mais de 160 obras do artista, entre originais e reproduções, como a parede pintada na Ucrânia no final do ano passado. Itinerante, a mostra passou por cidades como Budapeste, Miami e Santiago do Chile, antes de estrear em São Paulo, no dia 1º de fevereiro, no estacionamento do Shopping Eldorado, onde ficou até o dia 1º de maio, com ingressos que variavam de R$45 a R$130 reais. Ao longo de dois meses em cartaz atraiu mais de cem mil pessoas.
Um dos motivos para esse sucesso, está na acessibilidade das obras de Banksy, as quais o espectador identifica rapidamente o que vê: um Winston Churchill de moicano verde, a Lady Di estampada em uma nota de libra esterlina, e os ratos que tomam conta da cidade. Nada muito abstrato. Outro motivo do sucesso da exposição está no fato de que as pessoas apreciam uma celebridade misteriosa tanto quanto gostam de saber dos segredos da família real britânica.
Esse anonimato, as visões anti-establishment, as ironias e citações concisas, contribuiram para a mística e hoje marca criada no nome de Banksy. A medida que o grafite cruza a fronteira da arte ilegal e passa ser encarado como uma malandragem inteligente, não há garoto propaganda melhor que o britânico anônimo.

Entretanto, todos os merchandisings que vemos por ai, e inclusive eram vendidas no final da exposição de São Paulo, são apropriações indevidas. Se Banksy quisesse reverter essa situação, teria que revelar a própria identidade e encarar um processo perante um tribunal. Enquanto ele não faz isso, fica difícil para um desconhecido, cujas obras muitas vezes são feitas em locais proibidos, tentar definir os rumos da arte que ele produz, principalmente quando elas se mostram lucrativas.
Em 2002, por exemplo, ele alcançou quinhentas mil libras depois de lançar 15 impressões, em 2009 ele atingiu a mesma quantia após lançar apenas duas.Ao mesmo tempo, ele ataca de Robin Hood moderno vendendo alguns de seus trabalhos em feiras normais a preço de banana. Uma de suas impressões mais conhecidas intitulada The Flower Thrower – o terrorista com o buque de flores – foi comprada por um estudante por trezentas libras que revendeu posteriormente à casa de leilões Sotheby’s por 78 mil libras.
Em 2018, depois da obra Girl With Baloon ter sido arrematada por R$5 milhões de reais, um dispositivo foi acionado e a tela se autodestruiu. Mas nada disso impediu que a obra semidestruída fosse posta novamente a leilão, e desta vez vendida por R$121 de reais, valor superior ao dobro do preço estimado. Mesmo tentando não ser uma celebridade, Banksy se tornou uma, e hoje produz arte nas ruas que outros transformam em lucro, a ponto de alguém dizer “uau, um pedaço de concreto por apenas U$150 mil dólares”.
O artista do spray

Dizem que ele é um inglês comum: branco, porte médio, que gosta de música, do tipo que se vê aos montes nos pubs da Inglaterra. Nasceu em 1974, em Bristol, cidade que concentrou a partir dos anos 1980, artistas dos mais diversos nomes – 3D, Inkie, Chaos, Turo, Z-boys – que faziam do grafite uma forma de protesto a recessão que o país enfrentava, e tornaram-se assim referência na arte de rua.
Banksy começou a grafitar no início dos anos 1990, e um dos seus últimos trabalhos antes de se se mudar para Londres, intitulado The Mild Mild West, hoje é patrimônio de Bristol. Na capital inglesa no início dos anos 2000, fez amizades com artistas como Damon Albarn, vocalista do Blur e Jamie Hewlett, cocriador, junto com Albarn, da banda Gorillaz. Aqueles que sabem a identidade do grafiteiro gostam de manter a mística, como um clube do “eu sei quem ele é, mas não posso te contar”.
Em Londres, os grafites em stencil – técnica que utiliza um molde para fazer um desenho em qualquer superfície – logo se tornaram amplamente conhecidas. Mas nem tudo são flores, e pelo hype que atraia ricos e famosos, Banksy passou a ser encarado como um duto para a elite, já que a medida que a arte de rua era introduzida em museus e galerias, parecia ser uma rebelião patrocinada pela burguesia.
As críticas não impediram o estrelato mundial do artista, alcançado em 2005, com os quadros pendurados de forma ilegal em museus de Paris e Nova York, e pela viagem a Israel onde pintou o muro de concreto da Cisjordânia. O anonimato é a grande fonte de marketing, e ele passou a se aproveitar disso para organizar diferentes experimentos sociais, usando a cidade como cobaia jogando pequenas iscas para ver como cada um de nós reage.
Banksy, o organizador
Na verdade esse é o grande trunfo de Banksy: organizar, fazer acontecer. E se você acha que ele faz as coisas sozinho, lhe respondo que é como acreditar que o Batman vigia inteiramente a cidade de Gotham sem a ajuda de ninguém.
Em 2008 ele organizou uma exposição no museu de Bristol, com entrada gratuita, que custou cerca de sessenta mil libras e gerou um impacto econômico de quinze milhões de libras ao longo das dez semanas que ficou em cartaz. O jornal Evening Post descreveu o evento como “o maior presente que ele poderia ter dado a cidade natal”.
Em 2010 ele lançou o documentário Exit Through The Gift Shop, uma aula sobre produção e comercialização da arte de rua, e que foi indicado ao Oscar no ano seguinte. Em 2015 ele foi o cabeça por trás da irônica Dismaland – uma versão macabra da Disney – instalada num antigo parque abandonado na Inglaterra. Em 2021 ele financiou um barco e resgatou refugiados que tentavam chegar a Europa vindo do norte da África.
Como artista ou organizador de experiências culturais, Banksy criou um mercado para a arte urbana onde antes não havia nenhum. O movimento com certeza é independente dele, mas o mercado existente não. Para tentar controlar o incontrolável, uma organização adequadamente nomeada Pest Control foi montada para autenticar suas obras, mas não consegue impedir exposições como a fixa no Moco Museu de Amsterdam e Barcelona ou as itinerantes como a que recentemente passou por São Paulo.
A exposição não é autorizada pelo artista, mas quem fotografa ou compra as obras vendidas detém os direitos comerciais do produto. O máximo que Banksy faz contra isso é classificar as exposições como fake e dizer que todos deveriam encará-las assim. O artista de rua paulista, Negro Mia, entendeu o recado e na estreia da mostra em São Paulo criticou os preços e o lugar da exposição, escrevendo com tinta vermelha em uma das obras “distanciamento social sempre existiu, bem vindo ao Brasil”, um manifesto certamente autorizado por Banksy.